quarta-feira, 29 de junho de 2011

Igreja da Misericórdia em Beja - I

 
Sobre o lema "Festival Terras sem Sombra", que daremos conta na próxima semana, publica o Jornal Notícias de Beja na sua última edição um belo artigo da responsabilidade do Departamento do Património Histórico e Artístico da Diocese de Beja sobre a Igreja da Misericórdia de Beja, local onde se realizará a 9 de julho a última etapa do "Festival Terras sem Sombra".
Com a devida vénia ao jornal Notícias de Beja aqui publicamos o artigo.
Para não se tornar cansativo, decidimos dividir o referido artigo em 3 post, publicando hoje o primeiro.

Uma peça fundamental da arte portuguesa

D. Manuel, 4.º duque de Beja, nutriu muito interesse, mesmo depois de subir ao trono (1495), pelo crescimento da então vila de Beja, por ele elevada a cidade em 1517. De facto, ficou a dever-se à sua iniciativa a valorização da praça principal, dita Praça Grande, com a construção das pousadas régias, do pelourinho e do chafariz público, no âmbito de uma campanha mais vasta de renovação. O infante D. Luís, quinto filho do rei, que lhe sucedeu no ducado pacense, prosseguiu tal estratégia. Pouco depois de 1530, mandou edificar, no topo norte do vasto terreiro, os açougues. Há que tomar a palavra, usada no plural, pelo seu sentido etimológico mais amplo de mercado, um sítio onde se transaccionavam não só carnes mas também outros produtos. Já aí existia, de resto, o «açougue das couves».
O projecto ducal visava a execução de uma loggia de planta rectangular, rasgada por três arcadas plenas na frontaria e duas outras de cada banda, com pilastras e cunhais em aparelho bujardado e entablamento liso, tendo o interior duas naves de três tramos quadrados cobertos por abóbadas assentes sobre colunas de capitéis coríntios. Consubstanciou-se, deste modo, o único exemplar conhecido em Portugal de um espaço aberto e público perfeitamente integrável na tipologia renascentista que alcançou o seu máximo expoente na arcaria da praça principal de Florença e gozou de repercussão internacional. Algo muito adequado, importa reconhecê-lo, ao que se pretendeu introduzir em Beja, cidade próspera e influente, à qual os duques titulares quiseram dotar de um esplendor conforme ao seu sereníssimo estado.
Transparece aqui a intervenção de um mestre erudito, perfeitamente familiarizado com a tratadística coeva, cujo nome tem sido alvo de acesa discussão. Das várias hipóteses trazidas a lume constam vultos destacados da arte portuguesa, como Francisco de Holanda, Miguel e Francisco de Arruda ou Diogo de Castilho, todos eles activos no Alentejo. Porém, a alternativa mais consistente parece recair sobre Diogo de Torralva [1500-1566], genro do segundo Arruda. Oriundo do Piemonte ou de Espanha, foi profundo conhecedor da arquitectura italiana e desenvolveu uma obra notável, parte da qual teve como epicentro Évora. Não se torna difícil conjecturar a sua presença em Beja, ao serviço do 5.º duque, príncipe esclarecido, famoso pela larga cultura e pela visão cosmopolita, que permaneceu amiúde no meio eborense, atraindo o convívio dos círculos intelectuais, e fomentou a arquitectura e as demais artes.
  

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