domingo, 16 de dezembro de 2018

O suicídio




É um tema que, por norma, está reservado a psiquiatras, mas habitualmente as suas palestras revelam-se demasiado herméticas, isto é, incompreensíveis para o comum dos mortais. Deveriam ler – eles, os psiquiatras e todos os que não são – o texto sublime sobre esta temática que escreve Vítor Encarnação na última edição do Diário do Alentejo.
Com a devida vénia aqui Vos deixo essa magnífica crónica de “Nada mais havendo a acrescentar...” com o subtítulo de “Buraco”:
«Todos temos um buraco dentro de nós, fica dentro da cabeça, existe dentro do pensamento. Tapamo-lo com o raciocínio, o amor e a autoconfiança, evitamo-lo fazendo uso da nossa vontade de viver, enquanto quisermos viver e soubermos viver, enquanto brilhar a luz dos desejos e dos planos, o buraco não nos engole.
O buraco não se alimenta de alegria, quando há certezas e harmonias dentro do nosso cérebro a brecha não nos puxa para si. Mas o buraco está atento, o buraco pressente o mais leve desequilíbrio, abre-se ao menor rumor de desorientação, o buraco é um caçador de tristezas, o buraco devora existências.
Mas não as come de uma só vez, ninguém cai para o buraco de uma só vez, primeiro a pessoa estremece, escorrega-lhe um pensamento, depois outro, começa a duvidar, toma uns comprimidos para dormir, queixa-se, às vezes ouvem-na, outras vezes não, os outros também têm os seus próprios buracos para tapar, depois resvala, agarra-se ao que pode, principalmente às obsessões, falta-lhe a força, mete-se em casa, matuta, matuta, deixa de comer, vai caindo, caindo, vai abrindo uma cova, o barulho faz-lhe confusão, o silêncio faz-lhe confusão, a vida faz-lhe confusão, pensa em coisas que já são mais morte que vida.
E cai, já não tem outro remédio a não ser cair. E o buraco é já um abismo.
Desafortunados são os que caem dentro dele para sempre.»
Vítor Encarnação in DA 14-12-2018

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