domingo, 14 de janeiro de 2018

Adeus, descanse em paz

A única coisa sobre a qual temos a certeza enquanto vivos, é que um dia morremos. Mas curiosamente a morte é um tema que nos mete um medo... de morte. É um tema que, por norma, nem em brincadeira é bem-vindo.
Vítor Encarnação, na sua crónica no Diário do Alentejo “Nada mais havendo a acrescentar” desta semana trata a morte por tu.
Com a devida vénia a transcrevo:

«Quando eu morrer quero o caixão fechado, nunca gostei que me vissem quando estou deitado, a única diferença é que já não estou vivo, mas isso pouco importa, a privacidade é a última coisa a morrer, não quero que mais ninguém olhe para mim, sei lá quem é que olha para mim, um e outro, uma e outra, a entrarem com pêsames na boca e flores nas mãos casa mortuária adentro, a verem-me a dormir para sempre, a mirarem o que resta de mim e eu aqui sego de de vida, a espreitarem a rosto frio, a tocarem o rosto frio que nunca mais haverá de aquecer, nunca mais haverá beijo nem mãos que me aqueçam o rosto. Imagino o que está a acontecer, já aqui estive tantas vezes neste sítio para onde eu sabia que vinha, era um a questão de tempo, ninguém escapa, há flores em volta do caixão, há duas lâmpadas acesas a imitar velas, uma de cada lado do meu desmedido silêncio, as mulheres estão cá dentro, os homens estão lá fora, eu costumava estar lá fora, agora estou cá dentro, cada velório é um treino para a nossa própria morte, há de haver um dia em que chega a nossa hora. São horas de espera, para vocês, para mim não tanto, tenho agora todo o tempo do outro mundo. A notícia da minha morte é pública mas a minha morte é minha, é uma coisa íntima, pertence-me, faço dela o que eu quiser, vês-me tu, vê-me tua mãe e chega.»

Foto: Jornal O Povo

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