sexta-feira, 4 de julho de 2014

Conte histórias

  
Quando se conta uma história constrói-se um universo e convida-se o público a habitá-lo. A partir do plano construído pelo conto, espera-se despertar o espetador para edificar o seu próprio universo, ou seja, a sua própria interação texto-leitor.
Para crianças que ainda não foram alfabetizadas, ou não tiveram contacto direto com o texto literário, a narração de histórias funciona como um mediador de leitura situando-se entre o texto e o leitor, facilitando a relação que deve existir entre eles.
É sabido que crianças que tiveram contacto com a literatura antes de serem alfabetizados têm muito mais chances de se tornarem leitores assíduos. Seria realmente maravilhoso se a arte da narração de histórias estivesse presente nas escolas, pelo menos no primeiro nível do ensino básico. No entanto o que se observa é que a burocracia e o sistema avaliativo matam a parte humanizadora e artística da literatura, destroem todo o encantamento que habita os contos de fadas.
Diante dos números que devem apresentar, os professores acabam presos a uma forma de avaliação que considera o texto literário apenas para extrair e exemplificar aspetos linguísticos e gramaticais, ou para interpretações que não alcançam o sentido profundo do texto e não permitem a construção de um novo sentido.
Diante das dificuldades de trabalhar o lado lúdico e artístico da literatura sem deixar de lado a parte avaliativa, cabe-nos questionar até que ponto se pode tornar didática a literatura ou a narração de uma história. Se considerarmos o ideal da interação entre texto e leitor para a construção de um novo sentido e decidirmos que vamos trabalhar essa capacidade, é possível chegar a algumas possibilidades. Exercícios como recontar a história, criar uma nova história partindo da história contada, conversar sobre outros desfechos ou inserir um elemento desestabilizador no enredo, são algumas ideias que permitem que o espetador/leitor construa a sua própria imagem, o seu próprio sentido, sem deixar de lado o significado que o texto traz.
É preciso confiar na capacidade do leitor em potencial, porque é isso que são todos aqueles que ouvem uma história: Leitores em potencial! É preciso deixá-los construir relações e sentidos verdadeiros. Ao contar o capuchinho vermelho por exemplo, não é necessário falar para as crianças que elas devem obedecer aos pais, pois se a capuchinho não fosse pela floresta não encontraria o lobo. Vamos permitir que elas façam inferências sobre a história e construam novos sentidos. Ao entregarmos uma interpretação ou moral sintetizadas e prontas acabamos por assassinar inúmeras possibilidades de interpretação.