Não se trata de um texto da autoria dos editores do blog, mas sim um excerto do livro de Manuel da Fonseca O Vagabundo na Esplanada, no entanto achamos o post Excelente!
O Vagabundo na Esplanada
Nas caras, descompostas pelo desorbitado melindre, havia o que quer que fosse de recalcada, hedionda raiva contra o homem mal vestido e tranquilo, que lia o jornal na esplanada.Um rapaz aproximou-se. Casaco branco, bandeja sob o braço, muito senhor do seu dever. Mas, ao reparar no rosto do homem, tartamudeou:– Não pode...E calou-se. O homem olhava-o com benevolência.– Disse?– É reservado o direito de admissão – tornou o rapaz, hesitando. – Está além escrito.Depois de ler o dístico, o homem, com a placidez de quem, por mera distracção, se dispõe a aprender mais um dos confusos costumes da cidade, perguntou:– Que direito vem a ser esse?– Bem... – volveu o empregado. – A gerência não admite... Não podem vir aqui certas pessoas.– E é a mim que vem dizer isso?O homem estava deveras surpreendido. Encolhendo os ombros, como quem se presta a um sacrifício, deu uma mirada pelas caras dos circunstantes. O azul-claro dos olhos embaciou-se-lhe.– Talvez que a gerência tenha razão – concluiu ele, em tom baixo e magoado. – Aqui para nós, também me não parecem lá grande coisa.O empregado nem podia falar.Conciliador, já a preparar-se para continuar a leitura do jornal, o homem colocou as moedas sobre a mesa, e pediu, delicadamente:– Traga-me uma cerveja fresca, se faz favor. E diga à gerência que os deixe ficar. Por mim, não me importo.
Manuel da Fonseca, O Vagabundo na Esplanada (excerto)
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