sábado, 13 de novembro de 2010

O Miúdo

 
Costumava ficar na loja, durante o almoço, para que o pai e o irmão pudessem ir a casa comer.
As aulas da tarde começavam às três e embora tivesse só onze anos o pai confiava nele:
- Nasceu para isto dizia à mãe com orgulho, a desfazer-lhe o ombro numa palmada satisfeita, o raio do miúdo nasceu para isto.
Era uma loja pequena, uma papelaria, os clientes moravam no bairro, tratavam-no por tu, conhecia-os todos, sabia mexer na caixa, sabia o preço das coisas, e mesmo os estranhos, tão raros, gostavam de ser atendidos por ele. A maior parte do tempo, aliás, não atendia ninguém: lia revistas aos quadradinhos ou essas, de modelos, tão diferentes da mãe, magras, bonitas e quase sem roupa, que namoravam jogadores de futebol ou atores de novela, de peito ao léu e ele pasmado. Eram duas e meia, no relógio hexagonal por cima do tabaco e dos isqueiros de plástico, o pai e o irmão deviam estar a chegar, guardou os modelos na pilha dos modelos...

António Lobo Antunes in Visão no dia de S. Martinho

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