sexta-feira, 23 de abril de 2021

Porque envelhecemos?

 

A Mariana Ferreira está atualmente a fazer um doutoramento no Instituto de Medicina Molecular João Lobo Antunes, para perceber como é que as células funcionam, comunicam e coordenam as suas funções.

Trouxe-nos este texto, onde nos fala sobre o envelhecimento das células:

«Certamente já teve oportunidade de observar a capacidade que a sua pele tem de crescer, acompanhando o crescimento do seu corpo. Este processo acontece em todos os órgãos, mas é na pele, um órgão naturalmente fácil de observar, que melhor temos essa perceção. A facilidade com que a nossa pele estica quando crescemos (ou quando engordamos) e se adapta quando emagrecemos deve-se, entre outros fatores, à capacidade das nossas células se multiplicarem para originar novas células com as mesmas funções.

Esta capacidade que as células têm de se dividirem muitas vezes ao longo da nossa vida é estudada pelos cientistas para compreender melhor o corpo humano e as doenças que o podem afetar.

Ao contrário do que possa estar neste momento a pensar... não, as células da nossa pele (ou quaisquer outras) não são imortais! Na verdade, o cientista Leonard Hayflick, que se dedicou ao estudo da divisão celular, fez uma observação que veio mostrar o contrário. Afinal, embora contasse que as células que mantinha em laboratório se dividiriam infinitamente, Hayflick observou com curiosidade que as células que estava a analisar só se dividiam no máximo 60 vezes!

Ora, como provavelmente estará a imaginar, isto implica que a capacidade de resposta das células é limitada. Na verdade, com o tempo algumas das nossas células ficam cansadas deste processo constante de divisão e entram no chamado estado de senescência, ou seja, tornam-se senescentes. A palavra senescência vem do termo latim “senescere”, que significa “ficar velho” e é usada pelos biólogos para descrever o envelhecimento celular. A senescência, que é uma consequência da exaustão da capacidade das nossas células de se dividirem, está na base do envelhecimento dos nossos órgãos.

Apesar deste mecanismo ter um papel importante na defesa dos nossos órgãos, pois impede o aparecimento de tumores, estas células senescentes vão-se acumulando à medida que envelhecemos. Além de deixarem de exercer as suas funções normais, estas células ocupam espaço e produzem muitos resíduos, que influenciam ainda as células vizinhas a tornarem-se também senescentes, como num efeito dominó. É por esta razão que à medida que envelhecemos os nossos órgãos começam a funcionar menos bem e a ter mais dificuldade em recuperar de lesões.

Embora o nosso sistema imunitário identifique e elimine células senescentes, algumas destas células acabam por ficar nos nossos órgãos, prejudicando as suas funções. Por isso, uma das tarefas dos cientistas que, como Hayflick, estudam a divisão celular em laboratório, é desenvolver terapias capazes de eliminar as células senescentes dos nossos órgãos. Este tipo de “limpeza”, já em fase de testes, ajuda os nossos órgãos a funcionar melhor, permitindo-nos viver com maior qualidade de vida, por exemplo, conseguindo manter a elasticidade da nossa pele à medida que envelhecemos.

Por isso, da próxima vez que notar que a sua pele já não tem a elasticidade de outros tempos... já sabe: a culpa é da senescência!»


sexta-feira, 2 de abril de 2021

Recordar é viver. E sofrer

Para quem tem memória curta, recordo aqui um texto publicado por Tomás Vasques em Hoje Há Conquilhas em 15/12/2014.

Voando sobre um ninho de cucos

A nossa mais antiga instituição bancária – o BES -, que nasceu na Calçada do Combro, no século XIX, na mesma altura em que, ali, nas imediações, Antero de Quental se debruçava, no Casino Lisbonense, sobre as Causas da Decadência dos Povos Peninsulares, morreu subitamente nos primeiros dias de Agosto deste ano. Apesar da proveta idade, até ao último dia poucos esperavam tal desfecho.

Como se lembram, dias antes, o senhor presidente da República, nos confins do mundo, na Coreia do Sul, tranquilizou a família, os amigos e demais interessados. Com ar circunspecto, disse: “os portugueses podem confiar no Banco Espírito Santo dado que as folgas de capital são mais que suficientes para cumprir a exposição que o banco tem à parte não financeira, mesmo na situação mais adversa”. Sublinho: “podem confiar, mesmo na situação mais adversa”.

Também o senhor primeiro-ministro, na mesma altura, garantiu aos portugueses: «Não há nenhuma razão que aponte para que haja uma necessidade de intervenção do Estado num banco que tem capitais próprios sólidos, que apresenta uma margem confortável para fazer face a todas as contingências, mesmo que elas se revelem absolutamente adversas, o que não acontecerá com certeza”.

Afinal, “o podem confiar” e “o que não acontecerá” aconteceu. Dias depois, facto insólito, Marques Mendes, o porta-voz disto tudo, anunciava que o BES se finara. No dia seguinte, o governador do Banco de Portugal confirmou oficialmente o óbito. Nessa noite, amortalharam o corpo do Espírito Santo num lençol branco, supostamente novo, debruado com borboletas, e cobriram as palavras dos mais altos dignatários da Nação de ridículo, senão mesmo com um “manto diáfano” de perversão.