sábado, 18 de agosto de 2018

Não tenho medo de ouvir Le Pen


Porque subscrevo, e dispenso-me a comentários, transcrevo com a devida vénia:
«Não tenho medo de ouvir Le Pen
Na última edição da Web Summit assisti a um painel no qual estava presente Nigel Farage, o ex-líder do UK Independent Party e um dos principais arquitetos do Brexit.
Após ter explicado, jocosamente, que as meias que trazia com um padrão da Union Jack eram uma celebração do divórcio com a União Europeia, Farage falou, num tom mais sério, sobre como o movimento que liderou usou as redes sociais e as plataformas de comunicação digital para obter o resultado desejado no referendo de junho de 2016.
Explicou como o UKIP identificou cedo que, como partido insurgente, não poderia tentar obter atenção através de meios convencionais, como a BBC, e optou por utilizar canais como o YouTube.
No mesmo painel estava Brad Parscale, que foi o guru digital da campanha presidencial de Donald Trump, também em 2016. Parscale falou sobre como a campanha utilizou o Facebook e outras redes sociais para levar o magnata republicano à Casa Branca, e como essas empresas estavam de tal forma empenhadas em captar parte do orçamento publicitário que até colocaram funcionários nas sedes da campanha para ajudar na estratégia.
Não fiquei traumatizado nem me tornei num apoiante do Brexit ou de Donald Trump. Sobrevivi e até aprendi algumas coisas sobre como as duas campanhas, vistas como outsiders à partida, conseguiram convencer o eleitorado recorrendo à tecnologia.
Conto esta história para explicar a minha surpresa com o convite e ‘desconvite’ da Web Summit a Marine Le Pen.
O Governo diz que não interveio no processo. Podemos acreditar ou não e, provavelmente, nunca iremos saber. Mas sabemos que, por alguma razão, Paddy Cosgrave mudou de opinião e disse a Le Pen que não precisava de vir a Lisboa. Le Pen lidera uma organização xenófoba e, apesar de o negar, com tendências neo-nazis.
Obviamente que não concordo com a ideias que representa, mas também não consigo concordar com o argumento que não se podem usar fundos públicos para essas ideias serem apresentadas em Lisboa. Marine Le Pen não é inexperiente, duvido que viesse expressar hate speech numa plataforma global. Se o fizesse seria crime, claro.
Se nunca tivesse sido convidada seria outra história, mas a remoção do convite infantiliza-nos de alguma maneira – afinal, somos assim tão permeáveis e sensíveis? Temos mesmo de ser intolerantes com os intolerantes?
Pior do que isso, retira a possibilidade de percebermos como é que a União Nacional (ex-Frente Nacional) opera, como ganha terreno, como pudemos fazer com Farage e Parscale no ano passado. Retira também a possibilidade de Le Pen ser confrontada e questionada sobre as soluções extremas que propõe.
Seria certamente mais interessante do que foi o evento público com Costa e Macron em Lisboa, em julho, que parecia mais um coro sobre as mesmas ideias, muitas acertadas, mas que já ouvimos mil vezes.
A realidade é que Le Pen existe e chegou à segunda volta das eleições presidenciais num dos países mais importantes da Europa. Tal como Farage e Parscale, tem formas de persuadir milhões sobre as suas ideias.
Temos orgulho no facto de, em Portugal, um país com pouco extremismo político, podermos discordar em alta voz. Mas, para discordar, temos de ouvir e, para isso, temos de deixar os outros falar.»
Shrikesh Laxmidas in Jornal Económico 

Foto: Blondet Elliot | PA Images
 

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