Porque subscrevo, e dispenso-me a comentários,
transcrevo com a devida vénia:
«Não tenho medo de ouvir Le Pen
Na última edição da Web Summit assisti a um
painel no qual estava presente Nigel Farage, o ex-líder do UK
Independent Party e um dos principais arquitetos do Brexit.
Após ter explicado, jocosamente, que as meias que
trazia com um padrão da Union Jack eram uma celebração do divórcio
com a União Europeia, Farage falou, num tom mais sério, sobre como
o movimento que liderou usou as redes sociais e as plataformas de
comunicação digital para obter o resultado desejado no referendo de
junho de 2016.
Explicou como o UKIP identificou cedo que, como
partido insurgente, não poderia tentar obter atenção através de
meios convencionais, como a BBC, e optou por utilizar canais como o
YouTube.
No mesmo painel estava Brad Parscale, que foi o
guru digital da campanha presidencial de Donald Trump, também em
2016. Parscale falou sobre como a campanha utilizou o Facebook e
outras redes sociais para levar o magnata republicano à Casa Branca,
e como essas empresas estavam de tal forma empenhadas em captar parte
do orçamento publicitário que até colocaram funcionários nas
sedes da campanha para ajudar na estratégia.
Não fiquei traumatizado nem me tornei num
apoiante do Brexit ou de Donald Trump. Sobrevivi e até aprendi
algumas coisas sobre como as duas campanhas, vistas como outsiders
à partida, conseguiram convencer o eleitorado recorrendo à
tecnologia.
Conto esta história para explicar a minha
surpresa com o convite e ‘desconvite’ da Web Summit a Marine Le
Pen.
O Governo diz que não interveio no processo.
Podemos acreditar ou não e, provavelmente, nunca iremos saber. Mas
sabemos que, por alguma razão, Paddy Cosgrave mudou de opinião e
disse a Le Pen que não precisava de vir a Lisboa. Le Pen lidera uma
organização xenófoba e, apesar de o negar, com tendências
neo-nazis.
Obviamente que não concordo com a ideias que
representa, mas também não consigo concordar com o argumento que
não se podem usar fundos públicos para essas ideias serem
apresentadas em Lisboa. Marine Le Pen não é inexperiente, duvido
que viesse expressar hate speech numa plataforma global. Se
o fizesse seria crime, claro.
Se nunca tivesse sido convidada seria outra
história, mas a remoção do convite infantiliza-nos de alguma
maneira – afinal, somos assim tão permeáveis e sensíveis? Temos
mesmo de ser intolerantes com os intolerantes?
Pior do que isso, retira a possibilidade de
percebermos como é que a União Nacional (ex-Frente Nacional) opera,
como ganha terreno, como pudemos fazer com Farage e Parscale no ano
passado. Retira também a possibilidade de Le Pen ser confrontada e
questionada sobre as soluções extremas que propõe.
Seria certamente mais interessante do que foi o
evento público com Costa e Macron em Lisboa, em julho, que parecia
mais um coro sobre as mesmas ideias, muitas acertadas, mas que já
ouvimos mil vezes.
A realidade é que Le Pen existe e chegou à
segunda volta das eleições presidenciais num dos países mais
importantes da Europa. Tal como Farage e Parscale, tem formas de
persuadir milhões sobre as suas ideias.
Temos orgulho no facto de, em Portugal, um país
com pouco extremismo político, podermos discordar em alta voz. Mas,
para discordar, temos de ouvir e, para isso, temos de deixar os
outros falar.»
Shrikesh Laxmidas in Jornal Económico
Foto: Blondet Elliot | PA Images
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