sábado, 26 de setembro de 2015

Depósito de velhos


«Lar.
Houve uma discussão familiar em torno do nome.
Lar ou casa de repouso?
A ele tanto se lhe dava o título, pois como não se sentia bem em lado nenhum, qualquer lugar lhe servia. Desde que pudesse fumar um cigarro.
Quando a carta de admissão chegou, apenas encolheu os ombros. Não deixaria nunca que os olhos ou as mãos o traíssem. Nesse dia, no outono do tempo e da vida, entrou na instituição apenas com uma pequena mala. Anos a fio a desbravar mundo, a semear, a colher, a amar uma mulher, a fazer uma casa e nela fazer filhos, a sentir o coração da terra a bater-lhe no peito, e agora a sua existência cabe toda numa pequena mala.
O quarto não dá para a rua. Não lhe pode libertar o horizonte, desatar o nó dos olhos e pô-los a correr campos fora, como fazia dantes no tempo das melancias.
Dá consigo a pensar que gostaria de morrer de noite, a sonhar. E a morte viria como um sonho bom, batia à porta, pode entrar, e só depois ela entrava de mansinho, sem dramas, sem gritos nos ossos, sem dores na carne, sem sofrimento. Vinha, punha-lhe um manto de veludo por cima das costas e levava-o para o sítio onde a morte mora. E de manhã lá estaria o corpo sem vida, perfeitamente aconchegado. Nem havia de parecer que a morte ali tinha passado.
Enquanto espera, vai jogando às cartas.»
'Nada mais havendo a acrescentar...' de Vítor Encarnação in Diário do Alentejo de 25/09/2015


Foto: Reuters

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