«Lar.
Houve uma discussão
familiar em torno do nome.
Lar ou casa de repouso?
A ele tanto se lhe dava o
título, pois como não se sentia bem em lado nenhum, qualquer lugar
lhe servia. Desde que pudesse fumar um cigarro.
Quando a carta de
admissão chegou, apenas encolheu os ombros. Não deixaria nunca que
os olhos ou as mãos o traíssem. Nesse dia, no outono do tempo e da
vida, entrou na instituição apenas com uma pequena mala. Anos a fio
a desbravar mundo, a semear, a colher, a amar uma mulher, a fazer uma
casa e nela fazer filhos, a sentir o coração da terra a bater-lhe
no peito, e agora a sua existência cabe toda numa pequena mala.
O quarto não dá para a
rua. Não lhe pode libertar o horizonte, desatar o nó dos olhos e
pô-los a correr campos fora, como fazia dantes no tempo das
melancias.
Dá consigo a pensar que
gostaria de morrer de noite, a sonhar. E a morte viria como um sonho
bom, batia à porta, pode entrar, e só depois ela entrava de
mansinho, sem dramas, sem gritos nos ossos, sem dores na carne, sem
sofrimento. Vinha, punha-lhe um manto de veludo por cima das costas e
levava-o para o sítio onde a morte mora. E de manhã lá estaria o
corpo sem vida, perfeitamente aconchegado. Nem havia de parecer que a
morte ali tinha passado.
Enquanto espera, vai
jogando às cartas.»
'Nada mais havendo a
acrescentar...' de Vítor Encarnação in Diário do Alentejo de
25/09/2015
Foto: Reuters
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