É
um tema que, por norma, está reservado a psiquiatras, mas
habitualmente as suas palestras revelam-se demasiado herméticas,
isto é, incompreensíveis para o comum dos mortais. Deveriam ler –
eles, os psiquiatras e todos os que não são – o texto sublime
sobre esta temática que escreve Vítor Encarnação na última
edição do Diário do Alentejo.
Com a devida vénia aqui Vos deixo essa magnífica crónica de “Nada mais havendo a acrescentar...” com o subtítulo de “Buraco”:
Com a devida vénia aqui Vos deixo essa magnífica crónica de “Nada mais havendo a acrescentar...” com o subtítulo de “Buraco”:
«Todos
temos um buraco dentro de nós, fica dentro da cabeça, existe dentro
do pensamento. Tapamo-lo com o raciocínio, o amor e a autoconfiança,
evitamo-lo fazendo uso da nossa vontade de viver, enquanto quisermos
viver e soubermos viver, enquanto brilhar a luz dos desejos e dos
planos, o buraco não nos engole.
O
buraco não se alimenta de alegria, quando há certezas e harmonias
dentro do nosso cérebro a brecha não nos puxa para si. Mas o buraco
está atento, o buraco pressente o mais leve desequilíbrio, abre-se
ao menor rumor de desorientação, o buraco é um caçador de
tristezas, o buraco devora existências.
Mas
não as come de uma só vez, ninguém cai para o buraco de uma só
vez, primeiro a pessoa estremece, escorrega-lhe um pensamento, depois
outro, começa a duvidar, toma uns comprimidos para dormir,
queixa-se, às vezes ouvem-na, outras vezes não, os outros também
têm os seus próprios buracos para tapar, depois resvala, agarra-se
ao que pode, principalmente às obsessões, falta-lhe a força,
mete-se em casa, matuta, matuta, deixa de comer, vai caindo, caindo,
vai abrindo uma cova, o barulho faz-lhe confusão, o silêncio
faz-lhe confusão, a vida faz-lhe confusão, pensa em coisas que já
são mais morte que vida.
E
cai, já não tem outro remédio a não ser cair. E o buraco é já
um abismo.
Desafortunados
são os que caem dentro dele para sempre.»
Vítor
Encarnação in DA 14-12-2018
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