Cada um carrega a
sua cruz, como escreve Vítor Encarnação na sua coluna “Nada mais
havendo a acrescentar...” no Diário do Alentejo da semana
transata.
Revejo-me neste
texto. Revejo muita gente que conheço.
Com a devida vénia
o transcrevo.
«Cada
um carrega a sua cruz, ainda ontem chorei agarrado à minha, estava
sozinho e é triste não ter com quem falar, há dias mais pesados,
há noites que tapam toda a luz, há momentos em que se me tolda a
visão e a vida toda fica cega, Deus me perdoe. Às vezes passam-me
maluquices pela cabeça, pensamentos que por lá se acoitam e não
saem de maneira nenhuma, matuto, matuto, o que eu devia fazer sei eu,
há coisas que eu nem digo à minha patroa, tal não seria a dor se
eu o fizesse, já lhe bastam a falta de saúde e os desgostos,
coitada que também carrega uma cruz bem pesada. Cada um tem a sua,
leva-a às costas nesta via-sacra que é a vida, a vida, esse Pilatos
que lava as mãos, nos condena e nos leva dia após dia até ao
calvário. Quanto mais velhos somos maior é o tormento, mas eu não
tenho medo de mostrar a minha cruz, é feita de rugas e memória, já
tenho idade para perceber o martírio do tempo, a omnipresença da
dor, a inevitabilidade da perda. Ainda ontem chorei agarrado a um
cigarro, de cada vez que a cruz me pesa fumo um cigarro e vou à
taberna, encontro por lá outros como eu, cantamos umas modas e
falamos da mocidade, sinto-me melhor quando não penso, sinto-me mais
aliviado quando tiro a cruz de dentro de mim, tiro-a da alma como
quem tira uma faca espetada na carne e encosto-a ao balcão enquanto
bebo um copo de vinho.»
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