quinta-feira, 19 de março de 2015
Solidariedade e dignidade. O que é isso?
Este mundo infernal em que vivemos (ou sobrevivemos) e trabalhamos obriga-nos a comportamentos que nos iguala a trogloditas. Torna-nos acéfalos para gáudio dos poderes instituídos.
Sem mais comentários, transcrevo, com a devida vénia, a crónica de Diana Andringa na Antena 1.
«Junho de 1980. Jimmy Carter, então presidente dos Estados Unidos da América do Norte, está de visita em Portugal. No Palácio da Ajuda, a segurança americana deixa passar as equipas de televisão do seu país e barra as da RTP. Protestamos e, imediatamente, todos os fotógrafos portugueses, solidários, se recusam a entrar. A segurança cede.
Novembro do mesmo ano. Aeroporto de Lisboa. Rodada de perguntas a Henry Kissinguer, então consultor de uma companhia farmacêutica, mas anteriormente Conselheiro de Segurança Nacional e Secretário de Estado dos presidentes Nixon e Ford. Faço-lhe uma pergunta a que recusa responder e passa a palavra a um jornalista norte-americano. E este diz: “A minha pergunta é a da jornalista portuguesa a que o senhor não respondeu. ”
Passaram 35 anos, ou foram séculos? Ontem vi um advogado – que, seja dito entre parêntesis, respeito e estimo – dirigir-se de forma insultuosa a uma jornalista em serviço, primeiro, ao grupo profissional, depois. E, para meu espanto – mas como o vi pela televisão, não sei se houve excepções – nenhum dos presentes recusou continuar a reportagem.
O tema – a decisão do Supremo sobre o habeas corpus interposto pela defesa do engenheiro José Sócrates – era importante, sem dúvida. Mas nada justifica a ausência de um protesto colectivo, de uma posição conjunta dizendo: “O senhor advogado é livre de não prestar declarações, não é livre de nos insultar. Se não quer ser assediado por nós, envie-nos, no final de cada sessão de julgamentos que envolvam o ex-primeiro-ministro, o comunicado da defesa.”
À noite, num jornal televisivo, o advogado em causa explicou que há jornalistas e órgãos de informação que o enervam e que, não sendo servidor público, não é obrigado a responder-lhes. Admito. Acontece-me muitas vezes enervar-me ao ver, ouvir e ler trabalhos de camaradas meus, e a recíproca será, certamente, também verdadeira. Mas há formas e formas de criticar. Falar de “jornalismo que fede” é diferente de dizer a um ou uma jornalista que cheira mal. Falar de “jornalismo de matilha” é diferente de chamar “canzoada” a um grupo de jornalistas. Apontar erros e abusos numa cobertura jornalística é diferente de humilhar publicamente jornalistas.
O que o senhor advogado – que, repito, respeito e estimo – fez é inaceitável, embora tenda a generalizar-se. Mas mais inaceitável é que o grupo profissional não reaja, na hora, em solidariedade com o jornalista atacado. Mesmo da concorrência, mesmo que não gostemos do que faz.
Chama-se solidariedade. E, também, dignidade. Aquela curiosa palavra que torna diferente negociar com funcionários da troika ou com os dirigentes das instituições da troika... »
Fonte: Joana Lopes | Entre as Brumas da Memória